Latitudes
é uma série fragmentada em oito episódios que foram disponibilizadas no canal
do YouTube, a fim de divulgar o filme que estreará em fevereiro de 2014. O
diretor Felipe Braga e sua equipe produziram uma ficção amorosa em forma de
documentário exibido em uma das mídias mais modernas – o Youtube, a plataforma que permite o compartilhamento fácil de conteúdos e informações globais.
Coincidência ou não, esse formato transmídia acolhe e casa muito bem com
o insight do enredo em que a complexidade de se ter a vida
regida por certa dinâmica constante entra em questão. A trama Latitudes conta,
de uma forma não linear a história dos encontros e desencontros de um fotógrafo
chamado José, interpretado pelo ator Daniel Filho, e uma editora de moda
Olívia, cujo papel é de Alice Braga. O filme começa com os dois conversando no
bar, já quase íntimos, mas só no final do primeiro episódio que é revelado como
ambos se conheceram ao acaso em Paris. Desde então, encontros e despedidas
entre os dois são mostrados nos próximos sete episódios em quartos de hotéis
refinados de cidades como Londres, Veneza, São Paulo, Porto, Buenos Aires e
Istambul.
A
composição do figurino, do comportamento e da fala de ambos permite ao
espectador notar que as personagens são pessoas ocupadas e, de certa forma,
bem-sucedidas em suas profissões. Porém, uma certa melancolia ronda os dois,
mas principalmente, a confusa editora de moda. Olívia, a princípio, parece uma
mulher forte, sexy, misteriosa e decidida. No entanto, conforme o enredo da
trama vai lentamente se desenvolvendo, ela se revela uma mulher perdida,
confusa e que procura o acaso para suprir sua solidão. Ela chega a ser o
reflexo de muitas mulheres do século XXI: livres e independentes, porém,
tomadas por um medo inexplicável e uma solidão confusa. Não diferente, o
perdido fotógrafo, que se recusa a fotografar modelos para não corromper sua
arte, termina com sua namorada sem saber direito se é por ele mesmo ou se é por
Olívia. José também representa as pessoas de hoje, pois tenta ao máximo
proteger suas paixões e moralidades. Mas se deixa corromper pelo próprio
destino da obrigação de se tornar bem-sucedido, logo, acaba cedendo suas
moralidades e fotografa modelos russas no final da trama. Mesmo Olívia
terminando seu relacionamento em Buenos Aires e indo até Istambul atrás de
José, o episódio termina do mesmo jeito que todos os outros: com a despedida
como nas típicas histórias entre um homem e uma mulher, e é por isso que
Latitudes representa tão bem o comportamento de uma cultura pós-moderna. Ambos
se gostam, ambos se sentem felizes juntos, mas o medo e a mágoa que sentem um
do outro, por conta de um sentimento tão intenso e submisso à falta de tempo em
suas vidas, acabam optando pelo acaso programado. Talvez um dia se encontrem
novamente, talvez se casem, talvez nunca mais se vejam. Eles escolheram pelo
incerto, pois a ideia de suspenderem suas vidas cheias de escolhas próprias,
regidas por suas profissões, faz com que se tornem dois polos positivos –
aqueles que se repelem. Esses dois jovens apaixonados prezam por suas
profissões e temem pelo tédio, ingrediente que compõe todo relacionamento, mas
acabam caindo na padronização comportamental dos tempos modernos em que vivem e
de que tanto fogem: a luta pela individualização.
Pelo
ponto de vista freudiano, Olívia e José são o reflexo do próprio indivíduo
moderno que é reconhecido pela sociedade em que vive como tal por meio do
destaque. De forma que, paradoxalmente, ao tentar se firmar como um sujeito, o
indivíduo acaba se padronizando. O diálogo entre os dois parece dois monólogos
distintos que se cruzam por conta de um acaso programado, pois ambos sempre
estão focados no que pensam, no que sentem, no que anseiam e no que desejam
para suas vidas. Não estão preocupados com a felicidade do outro, que deve
parecer feliz para amenizar suas próprias angústias. Por exemplo, no clímax que
acontece no quarto episódio em que Olívia de certa forma sente-se incomodada
pelo fato de José ficar sem jeito ao falar no telefone com alguém. Isso gera a
primeira discussão sobre relacionamento entre eles. Portanto, o acaso, que era
a segurança de ambos, acaba entrando em jogo, pois notam que não conseguem
lidar com ele da forma que esperavam. Isso gera em ambos um grande conflito
interno. Com a ênfase do eu e da falsa autonomia, o indivíduo sempre acaba
voltando seu discurso para si, projetando todas suas vontades e desejos em
outras pessoas. A quebra desse paradigma causa grandes angústias.
A
trama também representa com clareza a estrutura da cultura atual, pois os
elementos que a compõem só pertencem a mesma. A relação das personagens só
acontece por conta da tecnologia e globalização – algo extremamente
pós-moderno. Afinal, durante o enredo, eles se encontram em lugares
completamente distantes do mundo e isso só seria possível por conta do
capitalismo comercial entre os países. Essa globalização faz com que a
padronização da cultura local seja cada vez mais intensificada mesmo tendo sua
própria característica. Por exemplo, os quartos de hotéis que são de certa
forma iguais em qualquer um das cidades visitadas pelo casal. Na medida em que
fronteiras locais são abertas, identidades culturais são dissolvidas em
fragmentos. O sujeito pós-moderno começa a absorver apenas as essências de
outras culturas, pois elas já estão misturadas a outras, portanto, a busca pelo
novo acaba sendo ilusória. Com isso, o sujeito pós-moderno torna-se cada vez mais
desestimulado, pois a sua autoafirmação como indivíduo começa a se tornar
massante.
Por
fim, o envolvimento entre José e Olívia representa as relações pessoais
modernas que são tratadas, baseando-se nas teorias do sociólogo Zygmunt Bauman,
como forma de consumo, nas quais se avalia o indivíduo como uma mercadoria
visando àquele que corresponde aos desejos do interessado, e descartando-o
assim que o mesmo "perde seu uso". Isso fica claro quando José
termina o relacionamento com sua apaixonada namorada em São Paulo e quando
Olívia não consegue mais disfarçar sua infelicidade ao estar com seu namorado.
Mesmo não conseguindo romper com ele, Olívia é obrigada a terminar o
relacionamento Buenos Aires. A atitude de Olivia pode ser explicada de forma
eficaz pela frase de Holand Barhes: afinal para o sujeito moderno “O
horror de estragar é ainda mais forte que a angústia de perder”. A falta de
tempo em suas vidas e a sagacidade de suas rotinas nada constantes não lhes
permite que criem vínculo com nada e ninguém, afinal vivem numa era onde tudo é
reificado e regido por um sistema que se alimenta de um vazio impreenchível.